A voz dissonante
É óbvio que é mais fácil lidar com quem concorda com você, consonância. Mas e quando não concorda, como fazer? Existe quem apenas joga fora, existe quem finge escutar, mas a dissonância carrega alguns segredos que em alguns casos são mais valiosos que qualquer consonância.
Para começar, é preciso estabelecer: não é porque é consonante que algo está correto. Consonância é harmonia, claramente existe a possibilidade de que um grupo consonante esteja completamente e harmonicamente errado. Sim. Logo, uma breve dissonância, em casos como esse, possa ser um sopro de dúvida na certeza cega para o caminho errado, ou inadequado.
Vou ilustrar esse post com 2 cases, para analisarmos o poder da voz dissonante:
Case 1 – Discordância na concorrência
Faz um tempo, estava fazendo um planejamento na agência para uma concorrência muito importante. O planejamento tinha passado por todas as fases e estava redondo. Foi apresentado internamente e foi recebido com um ode esplendoroso que coroou o planejamento como, não só apto a ser apresentado ao cliente, mas como um dos grandes planejamentos que a agência já tinha produzido.
Mais tarde, fui pegar café e aconteceu um encontro com uma pessoa da criação. Uma conversa descompromissada do café tornou-se uma expressão da voz dissonante. Eu, chocado, não estava acreditando naquilo. Mas ao invés de dar a carteirada, me pus a ouvir o que aquela voz dissonante tinha a apresentar. Para minha surpresa, era muito interessante.
Resultado, comprei a briga de alterar o planejamento. Para isso, tive que estender meu tempo trabalhando no projeto e tive que chamar uma nova reunião interna para ajustar o planejamento. Foi mais trabalho? Sim. Mas foi um ajuste que desviou o planejamento de um possível obstáculo no caminho, uma observação de alguém que poderia ter se calado ou até poderia ter sido calado por uma carteirada minha, uma vez que eu estava em posição de ter uma postura superior frente a aprovação épica que tinha recebido.
No final, ganhamos a concorrência. Talvez tivéssemos ganhado mesmo sem toda aquela refação, mas o planejamento ganhou muito mais confiança, de todos os lados. E isso significa muito.
Case 2 – Uma informação dissonante
Tínhamos um planejamento muito importante pra entregar, o tempo era curto e a expectativa era enorme. Com pouco tempo de imersão descobrimos um caminho estratégico irrefutável para reposicionar a marca em questão. Não havia dúvidas, era nosso eureka.
Poderíamos ter continuado daquele ponto, mas o trabalho precisa ser bem feito e continuamos a imersão para validar o caminho estratégico. Eis que aparece a voz dissonante. Uma informação que derrubava nosso caminho estratégico maravilhoso. Nós poderíamos ter ocultado aquela informação dissonante do documento de imersão ou poderíamos ter defendido que não haveria importância na naquela dissonância. Mas havia relevância, havia importância.
Nos reunimos e decidimos que por mais sensacional que fosse aquele caminho estratégico, não era o caminho adequado. Nesses casos, sempre há uma frustração, mas conseguimos contornar a situação e encontrar um caminho estratégico mais forte, mais consistente e certamente mais confiável que o anterior.
Então apresentamos e recebemos um grande elogio e uma aprovação unânime com autorização plena para seguir em frente no cronograma proposto.
A dissonância leva em conta uma questão cultural. Ou seja, o que é dissonância para um estilo musical, para o outro pode ser harmonia. Assim entendemos que a dissonância existe para quem percebe a dissonância.
Talvez ao invés de estarmos tão preocupados com consonância e dissonância, deveríamos estar preocupados com a ressonância. Talvez os diferentes arranjos de acordes, uma percussão diferente, uma provocação em outros tons, tragam uma nova forma de ver a situação.
Mas se você não suporta a dissonância e quer jogá-la fora, a decisão é sua.